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Por Pietra Fogaça

Graduanda em nutrição pela UFRGS, antropometrista ISAK nível 1 e atleta de fisiculturismo.

Transtornos alimentares pouco conhecidos

Postado em 09/10/2024 às 16h:15

Nutri, eu garanto que sempre que te falaram algo sobre transtornos alimentares, estava relacionado com um desses: anorexia nervosa, bulimia nervosa e transtorno de compulsão alimentar. Isso não é negativo, até porque esses são os mais frequentes e é importante sabermos mais sobre eles, no entanto, eles não são os únicos – e esses outros transtornos são igualmente importantes, já que afetam significativamente a saúde física e emocional de quem os vivencia. Entre eles, destacam-se a pica, o transtorno de ruminação e o transtorno alimentar não especificado (TANE).

Primeiramente, vamos discutir sobre o transtorno alimentar conhecido como “pica”, “picacismo” ou até mesmo “alotriofagia”. Essa doença envolve a ingestão frequente de alimentos que não são comestíveis e nem nutritivos, como areia, papel, gelo e até cabelos. Esse comportamento deve ocorrer por um período de pelo menos um mês, e afeta pessoas de qualquer idade, porém é mais comum em crianças, gestantes e indivíduos com transtornos de desenvolvimento, como o autismo. 

As causas desse transtorno alimentar ainda não são totalmente compreendidas, mas é sabido que fatores biológicos, psicológicos e culturais podem estar envolvidos. Uma possível explicação está relacionada a deficiências nutricionais, como falta de ferro ou zinco, que podem levar à busca por substâncias não alimentares. Todavia, do ponto de vista psicológico, o comportamento pode estar associado a altos níveis de estresse, traumas ou negligência – e essa é a vertente que parece ser a principal ocasionadora. O tratamento da pica requer uma abordagem multidisciplinar, envolvendo médicos – principalmente o psiquiatra – nutricionistas e psicólogos, focando tanto no manejo das questões psicológicas subjacentes.

Outro transtorno alimentar pouquíssimo conhecido é o transtorno da ruminação, que é caracterizado pela regurgitação repetida de alimentos, que podem ser mastigados e engolidos novamente ou então podem ser cuspidos. Esse comportamento ocorre de forma voluntária e não está associado a condições gastrointestinais, como refluxo gastroesofágico. Para ser diagnosticado com esse transtorno, a regurgitação deve ocorrer por pelo menos um mês.

Esse transtorno é mais comum em crianças, mas também pode afetar adolescentes e adultos. Contudo, em crianças, o comportamento pode ser confundido como um problema digestivo, retardando o diagnóstico correto. Nos adultos, a ruminação é frequentemente associada a distúrbios de ansiedade ou transtornos alimentares mais amplos. Precisamos compreender que o impacto do transtorno de ruminação pode ser bem grave, levando à desnutrição, perda de peso e até desidratação. O tratamento envolve técnicas de modificação comportamental e terapia cognitivo-comportamental (TCC), para ajudar a interromper o ciclo de regurgitação e tratar os fatores emocionais ou psicológicos envolvidos nisso.

Por fim, vamos entender o chamado “Transtorno Alimentar Não Especificado” (TANE), que é o mais comum, por mais que muitos pensem que não. O TANE, na realidade, é uma categoria ampla que abrange indivíduos que apresentam comportamentos alimentares desordenados/disfuncionais, mas que não se encaixam nos critérios e diagnósticos específicos dos outros transtornos alimentares, como anorexia nervosa ou bulimia nervosa. Mas saiba que isso não significa que o transtorno seja menos grave, na verdade, o TANE é o transtorno alimentar mais prevalente, representando cerca de 60% dos diagnósticos dos transtornos alimentares.

No TANE, a gravidade do sofrimento do paciente e o comprometimento da sua qualidade de vida e saúde pode ser tão grande quanto nos transtornos alimentares mais conhecidos, pois esse paciente muitas vezes também apresenta o medo intenso de engordar e também se sente fracassado e excluído socialmente. As manifestações do TANE podem incluir ciclos de compulsão alimentar e de restrição, comportamentos purgativos esporádicos ou obsessão com a alimentação saudável (ortorexia), mas sem um padrão fixo que se enquadre em outros diagnósticos.

O diagnóstico de TANE é muitas vezes subestimado, e isso pode atrasar o tratamento adequado. Por ser uma categoria ampla, a abordagem terapêutica também precisa ser flexível e personalizada, envolvendo uma equipe multiprofissional que considere os aspectos nutricionais e psicológicos, com foco no restabelecimento de uma relação mais funcional e saudável com os alimentos.

Normalmente, os indivíduos com transtornos alimentares acabam migrando entre os transtornos. Uma pessoa com anorexia nervosa pode acabar apresentando episódios de compulsão no futuro e, talvez, desenvolver compulsão alimentar. Essa mesma pessoa pode, depois de um período, começar a se purgar por conta dos episódios de compulsão e o sofrimento intenso, além do medo de ganhar peso que já está enraizado nela, ou seja, é extremamente comum e possível que os indivíduos migrem entre transtornos, dificultando o diagnóstico “exato”.

Esses transtornos alimentares menos falados — pica, transtorno de ruminação e TANE — podem ter consequências muito graves e, por isso, é fundamental aumentar a conscientização sobre eles, para garantir que as pessoas afetadas recebam o diagnóstico e o tratamento adequados. Cada caso é único e demanda uma abordagem individualizada, que considere os fatores biológicos, psicológicos e sociais envolvidos.

Texto por: Pietra Fogaça – Graduanda em nutrição

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