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Por Pietra Fogaça

Graduanda em nutrição pela UFRGS, antropometrista ISAK nível 1 e atleta de fisiculturismo.

Entenda o que acontece na obesidade

Postado em 15/07/2024 às 10h:00

Antes de tudo, é necessário entendermos que a obesidade, por si só, já é um fator de risco muito grande para o desenvolvimento de doenças crônicas não transmissíveis (DCNTs), como o diabetes mellitus do tipo 2 e a hipertensão arterial sistêmica. Além disso, obviamente, o padrão alimentar do indivíduo também influencia demasiadamente nesse maior risco, sendo o excesso de ultraprocessados (alimentos industrializados ricos em gordura saturada, açúcar e sal) um dos principais determinantes para tal. Fora isso, o sedentarismo também influencia muito nesse risco, como já cansamos de ler por aí nas mídias sociais.

Para começarmos a entender a obesidade, é importante entendermos que nós armazenamos a gordura na forma de triglicerídeos no tecido adiposo e, quando o indivíduo está em um estado crônico de superávit calórico (ou seja, em um cenário de ingestão elevada de calorias e, consequentemente, ganhando gordura), ele irá hipertrofiar seus adipócitos (que são as nossas células de gordura). Nesse sentido, o que chamamos de “tecido adiposo visceral” contém uma elevada capacidade de hipertrofiar (aumento do volume), e o subcutâneo de hiperplasia (aumento da quantidade). Além disso, o tecido adiposo visceral é muito vascularizado/irrigado, o que implica em uma maior capacidade de produção de proteínas inflamatórias (as chamadas “adipocinas”, como a TNF-alfa). Ou seja, esse tecido é mais perigoso pois proporciona que o indivíduo entre em um estado de inflamação crônica de baixo grau (aumento crônico de concentração de proteínas inflamatórias).

Ao pensarmos em exercício físico e saúde, precisamos compreender que o exercício físico, na realidade, tem um efeito anti-inflamatório após a sua ocorrência, o que é muito importante para a melhora desse quadro inflamatório na obesidade, evitando o desenvolvimento de DCNTs. O que faz o tecido adiposo produzir mais proteínas inflamatórias é justamente a hipertrofia dessas células de gordura (adipócitos), e esse aumento na produção de adipocinas ocorre por conta da ação de um fator de transcrição (que são proteínas que modulam a expressão gênica, ou seja, a forma que os nossos genes se expressam em proteínas). Esse fator de transcrição chama-se de “NF-Kb” (fator nuclear kappa beta), que pode estar fora do núcleo (no citoplasma, inibido) ou dentro (ativo). Quando esse NF-Kb está dentro do núcleo, ele fica na fita de DNA e começa a aumentar a transcrição e tradução das proteínas inflamatórias TNF-alfa e interleucina 6 (IL-6), que serão liberadas para o sangue, onde irão provocar algumas alterações negativas.

Quando uma pessoa está ganhando gordura, obviamente os adipócitos estão hipertrofiando. No entanto, esses adipócitos são células que possuem vasos sanguíneos irrigando-as, então na medida em que há a hipertrofia dos adipócitos, ocorre como consequência uma obstrução mecânica desses vasos sanguíneos! Isso causa diminuição do lúmen (espaço interno) dos vasos, diminuindo o fluxo sanguíneo e a entrega de oxigênio (O2) para os adipócitos, criando uma situação de hipóxia (deficiência no suprimento de oxigênio). A hipóxia é um ativador da proteína HIF1-alfa (fator indutor de hipóxia), que tem como objetivo restaurar o O2 das células. Então o HIF1-alfa irá estimular a produção de citocinas inflamatórias, já que o aumento da inflamação é algo que gera mais lipólise.

Mas, não se engane, fazer mais lipólise (quebra da gordura) nem sempre pode ser visto como algo positivo, já que esse ácido graxo liberado através da lipólise pode não ser oxidado (e, na obesidade, não será, pois não há mitocôndrias funcionais suficientes e nem demanda para essa oxidação maior) e, então, ficará literalmente como um “ácido graxo livre”, andando pelo seu sangue, podendo causar dislipidemias. Ademais, o HIF1-alfa aumenta a produção de citocinas inflamatórias, pois, ele transloca NF-Kb para o núcleo, que aumenta essa produção de citocinas inflamatórias, que podem agir em células vizinhas causando resistência à ação da insulina no tecido adiposo. Essa inflamação também pode ir para o tecido muscular provocar resistência à insulina, assim como também pode causar aumento da pressão arterial e formação de placas ateroscleróticas nos vasos sanguíneos (ateroma).

O quadro de resistência à insulina consiste na diminuição da eficiência do hormônio insulina em transportar a glicose que está circulando no sangue para dentro das células, causando o quadro de hiperglicemia (excesso de glicose/”açúcar” circulante no plasma sanguíneo). Por outro lado, uma melhora na SENSIBILIDADE à insulina consiste em melhorar a capacidade da insulina em transportar a glicose para dentro das células, tendo então uma glicemia em jejum mais reduzida. Além disso, essas proteínas também poderão ir para os vasos sanguíneos acelerar a formação de placas ateroscleróticas. Ou seja, é importante diminuir a produção dessas proteínas (por meio da perda de peso/emagrecimento, com a dieta e o exercício físico), de forma a reduzir a prevalência das DCNTs (diabetes mellitus do tipo 2, hipertensão arterial sistêmica, doenças cardiovasculares em geral). Vale destacar que, o exercício físico, por si só, já pode gerar efeitos agudos benéficos para a melhora da sensibilidade à insulina, mas o objetivo é sempre somar os efeitos agudos com os crônicos (essa “soma” é o que chamamos de adaptações metabólicas do exercício físico).

Outro ponto importante de entendermos, quando estamos falando da obesidade, é o papel do estresse oxidativo nesse cenário. Resumidamente, o chamado “estresse oxidativo” é definido como o acúmulo de espécies reativas de oxigênio (“ROS”). O que acontece é que, quando consumimos o oxigênio (O2) na mitocôndria (organela celular responsável pela respiração) – que ocorre a todo o momento -, nós acabamos produzindo essas espécies reativas de oxigênio. Consequentemente, quando fazemos exercício físico (momento no qual nós aumentamos o consumo de oxigênio pelo organismo), aumentamos também a produção de espécies reativas de oxigênio, porém fazemos isso apenas de forma aguda.

A grande questão é que, por outro lado, quando estamos falando de um paciente com obesidade, essa produção de espécies reativas de oxigênio aumenta e se mantém mais elevada (cronicamente), o que tem um impacto negativo para a saúde, caracterizando então como um estado de “estresse oxidativo”. O maior problema é que esse cenário de estresse oxidativo pode acarretar em um quadro de “resistência à insulina”, além do aumento da pressão arterial e também da formação de placas de ateroma (aterosclerose). Ou seja, nós devemos reduzir a produção de espécies reativas de oxigênio para então conseguir prevenir o desenvolvimento de doenças crônicas não transmissíveis, como a diabetes mellitus do tipo 2 e a hipertensão arterial sistêmica. E é nesse sentido que o exercício físico entra em questão, pois o exercício é uma forma de combater, ao mesmo tempo, tanto o estresse oxidativo quanto a inflamação do organismo.

Para entender essa abordagem mais preventiva, é necessário compreendermos do que se trata o sistema antioxidante. Esse sistema nada mais é do que um sistema que bloqueia a produção de espécies reativas de oxigênio, e ele é constituído por enzimas antioxidantes, como a Catalase, a Superóxido Dismutase e a Glutationa Peroxidase. O indivíduo que tem boa capacidade antioxidante – que não é obeso, que tem uma alimentação saudável e não é sedentário – terá mais enzimas antioxidantes para combater as espécies reativas de oxigênio, diminuindo o estresse oxidativo. Por outro lado, indivíduos com obesidade e sedentarismo terão sim uma menor atividade das enzimas antioxidantes, podendo ter acúmulo de espécies reativas de oxigênio e estresse oxidativo. Além do estresse oxidativo, a questão da resistência à insulina e a sua relação com o sedentarismo e o exercício físico também se faz importante. Dito isso, é importante entender que o aumento da glicemia (nível de glicose/açúcar no sangue) após o consumo de carboidratos deve estimular a secreção de insulina pelo pâncreas, que irá para os órgãos estimular a entrada de glicose nas células, diminuindo consequentemente a glicemia. No entanto, quando há um quadro de resistência à insulina naquele indivíduo, a insulina não conseguirá agir de forma eficiente (estará sendo prejudicada devido ao excesso de espécies reativas de oxigênio e de proteínas inflamatórias) e a glicemia demora mais para diminuir.

Há duas formas de colocar a glicose dentro do músculo, via insulina ou via contração muscular durante o exercício físico. Vale relembrar que a insulina não entra da célula, mas sim se liga ao receptor que fica na membrana, causando uma ativação de várias proteínas intracelulares (como a IRS-1, PI3 quinase e a AKT), o que estimula a translocação do GLUT-4 do citoplasma para a membrana da célula e, dessa forma, a glicose consegue finalmente entrar na célula (transportada pelo GLUT-4, que é um transportador de glicose). Entretanto, as ROS e as proteínas inflamatórias agem bloqueando as ativações intracelulares da insulina, de forma que o GLUT-4 não consegue ir até a membrana e, consequentemente, haverá hiperglicemia.

Quando estamos treinando, a contração muscular estimula a captação de glicose para o músculo de forma independente da insulina. Quando há o acúmulo de AMP (em decorrência do alto gasto de ATP, que será quebrado em ADP e AMP), durante o exercício, iremos ativar a proteína AMPK, que irá translocar o GLUT-4 para a membrana sem precisar da ação da insulina! Isso irá, consequentemente, diminuir a glicemia. Fora isso, após o exercício, a sensibilidade à insulina fica aumentada por até 72 horas, ou seja, essa pessoa terá captação mais eficiente de glicose para a célula nesse período.

Por fim, é inegável o papel importante e o efeito crônico do exercício físico na resistência à insulina e no tratamento da obesidade como um todo, mostrando que o exercício não serve apenas para estética, mas também saúde. O exercício auxilia na perda de peso e, consequentemente, auxilia na redução da inflamação, o que já auxilia na melhora do quadro de resistência à insulina. Além disso, o exercício aumenta a capacidade antioxidante pois aumenta as enzimas antioxidantes (cronicamente), o que reduz as espécies reativas de oxigênio. O exercício consome oxigênio na mitocôndria, e essa mitocôndria produz ROS, e esse ROS irá ativar o fator de transcrição NRF-2, que irá até o núcleo celular estimular a produção de enzimas antioxidantes.

Além disso, o exercício faz o músculo produzir a citocina (miocina) IL-6, que estimula a produção de IL-10, que é uma proteína anti-inflamatória, que causa efeito anti-inflamatório (diminui a produção de TNF-alfa, de IL-6 do adiposo, bloqueia NF-Kb), aumentando a sensibilidade à insulina. O exercício também aumenta o número de mitocôndrias, principalmente o aeróbico, o que melhora a sensibilidade à insulina. Através dos treinos de força, ainda ocorre a adaptação do ganho de massa muscular, que também aumenta a sensibilidade à insulina.

Em suma, o exercício físico tem tanto benefícios agudos quanto crônicos, que culminam em melhora da sensibilidade à insulina. E, para um bom manejo da diabetes tipo 2 – uma das principais consequências da obesidade -, é interessante a combinação de exercício aeróbico com musculação, dado que ambos exercem papéis importantíssimos nesse cenário, além da dieta, obviamente.

Texto por: Pietra Fogaça – Nutricionista

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