O papel do exercício físico no manejo do lipedema
Postado em 18/11/2025 às 16h:00
Nos últimos anos, a compreensão sobre a fisiopatologia do lipedema avançou significativamente, trazendo novas perspectivas para profissionais de saúde, treinamento físico e reabilitação. Um dos temas mais discutidos é justamente o papel do exercício físico no manejo da condição.
Com base no Consenso da Sociedade Italiana de Ciências do Movimento (SISMeS) e da Sociedade Italiana de Flebologia (SIF), este artigo resume as principais evidências sobre como o exercício pode atuar como ferramenta terapêutica no lipedema — e o que isso significa na prática clínica e no treinamento.
O que diferencia o lipedema da obesidade?
Embora as duas condições possam coexistir, o lipedema apresenta características próprias, como:
- aumento desproporcional de gordura em membros inferiores (e às vezes superiores), mesmo em mulheres com peso normal;
- dor, sensibilidade e edema;
- dificuldade de perda de gordura localizada, mesmo com dieta e exercício;
- maior presença de inflamação e alterações microvasculares;
- hipertrofia dos adipócitos e reorganização da matriz extracelular.
Outro ponto importante é que o IMC não é um indicador adequado para o diagnóstico ou monitoramento do lipedema.
Em contrapartida, a razão cintura-altura (WHtR) tem se mostrado mais eficaz na avaliação de riscos metabólicos, por não depender da gordura acumulada nos membros. Ainda assim, nenhum desses índices é diagnóstico — apenas complementares.
Estudos mostram que mulheres com lipedema apresentam alterações celulares e metabólicas que independem do peso corporal, reforçando que se trata de uma condição distinta e mais complexa do que um “tipo de obesidade”.
A influência hormonal e o impacto na doença
O lipedema é considerado também uma condição de interesse endócrino. Pesquisas mostram:
- alterações importantes nos receptores de estrogênio;
- maior deposição de gordura em regiões sensíveis a estrogênio;
- aumento da inflamação e da fibrose quando há deficiência ou disfunção hormonal.
Modelos animais apontam que a redução de estrogênio aumenta a inflamação e marcadores como IL-1β, IL-6 e TNF-α, reforçando a relação hormonal na fisiopatologia. Isso explica por que muitos pacientes apresentam piora dos sintomas em fases específicas do ciclo menstrual, após a puberdade ou em períodos de flutuação hormonal intensa.
O que a ciência diz sobre exercício físico e lipedema?
Apesar de o exercício não reduzir diretamente o volume de gordura acumulado pelo lipedema, ele desempenha um papel essencial na qualidade de vida e no controle da doença.
Principais benefícios do exercício físico no lipedema
1. Melhora da função mitocondrial no tecido adiposo subcutâneo
O treinamento de resistência (endurance) estimula adaptações metabólicas que ajudam a melhorar o uso de lipídios e reduzir a disfunção no TAS.
2. Redução da inflamação sistêmica e local
O exercício atua sobre o tecido adiposo branco, reduzindo o estado inflamatório crônico — um dos pilares da progressão do lipedema.
3. Melhora da drenagem linfática
Atividades de baixo impacto e exercícios aquáticos aumentam o retorno venoso e linfático, diminuindo inchaço, dor e sensação de peso nas pernas.
4. Fortalecimento muscular e melhora funcional
Treinamento de força, especialmente dos membros inferiores, melhora a capacidade funcional e reduz a fadiga, um sintoma frequente em pacientes.
5. Benefícios psicológicos
A prática regular contribui para redução da depressão, melhora na autoestima, e relacionamento mais positivo com a imagem corporal.
Treinamento de força no lipedema
O consenso destaca o treinamento de força como um dos pilares do tratamento não farmacológico, pois:
- reduz inflamação ao modular macrófagos;
- aumenta a força e diminui a fadiga;
- favorece o fluxo venoso e linfático;
- melhora a vascularização do tecido adiposo;
- estimula a liberação de irisina, que promove características do tecido adiposo marrom (mais ativo metabolicamente).
Esse conjunto de efeitos torna o treino resistido uma estratégia terapêutica poderosa — desde que bem planejado, progressivo e individualizado.
Falta de protocolos padronizados: o desafio atual
Apesar dos avanços, a literatura científica ainda apresenta limitações:
- poucos ensaios clínicos robustos;
- falta de padronização de intensidade, frequência e duração dos exercícios;
- grande variabilidade entre estágios da doença;
- diferenças individuais na resposta hormonal, inflamatória e funcional.
Por isso, as recomendações atuais reforçam que o exercício deve ser adaptado à realidade e aos sintomas de cada paciente, priorizando modalidades de baixo impacto, longa duração e alta aderência.
Profissionais de educação física e preparadores físicos têm papel central nesse processo, ajudando na construção de protocolos individualizados, seguros e com potencial real de transformar a vida das pacientes.
Conteúdo baseado no artigo: Annunziata G, et al. The Role of Physical Exercise as a Therapeutic Tool to Improve Lipedema: A Consensus Statement from the Italian Society of Motor and Sports Sciences (Società Italiana di Scienze Motorie e Sportive, SISMeS) and the Italian Society of Phlebology (Società Italiana di Flebologia, SIF). Curr Obes Rep. 2024 Dec;13(4):667-679. doi: 10.1007/s13679-024-00579-8.
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