OZEMPIC para combate à obesidade
Postado em 01/04/2024 às 08h:55
A obesidade é atualmente o mais grave problema de saúde que temos mundialmente. A estimativa, segundo o novo Atlas da obesidade, é que em 2025 o número de adultos acima do peso chegue a 2,3 bilhões, sendo desses 700 milhões com obesidade, ou seja, um IMC >30.
No Brasil, essa doença crônica aumentou 72% nos últimos treze anos, saindo de 11,8% em 2006 para 20,3% em 2019. Diante dessa prevalência, vale chamar a atenção que, de acordo com a Pesquisa de Vigilância de Fatores de Risco e Proteção para Doenças Crônicas por Inquérito Telefônico (Vigitel). A frequência de obesidade é semelhante em homens e mulheres. Nestas, a obesidade diminui com o aumento da escolaridade.
Já em relação à obesidade infantil, o Ministério da Saúde e a Organização Panamericana da Saúde apontam que 12,9% das crianças brasileiras entre 5 e 9 anos de idade têm obesidade, assim como 7% dos adolescentes na faixa etária de 12 a 17 anos.
A obesidade é uma doença crônica e progressiva, com fisiopatologia complexa e origem multifatorial, incluindo fatores genéticos, metabólicos, comportamentais, socioculturais e ambientais, sendo associada à diminuição da expectativa de vida e ao desenvolvimento de complicações clínicas, incluindo doenças cardiovasculares, doenças metabólicas como diabetes tipo 2, disfunções mecânicas, apneia do sono, entre outras.
Embora a perda de peso possa melhorar as complicações decorrentes da obesidade, a magnitude da perda de peso alcançada com mudanças no estilo de vida, dieta e atividade física pode ser limitada e difícil de manter.
Como complemento às intervenções no estilo de vida, o uso adequado de farmacoterapias para controle de peso pode ajudar pessoas com sobrepeso ou obesidade a alcançar maiores magnitudes de perda de peso e manter a perda de peso. Historicamente, as opções de farmacoterapia têm sido limitadas, com necessidade de opções de tratamento que possam induzir e sustentar uma perda de peso clinicamente significativa e melhorar as complicações associadas, como DM2 e DCV. Recentemente, a semaglutida (Ozempic/Wegovy) foi aprovada também para o tratamento da obesidade devido a seus resultados promissores durante o período de ensaios nomeados de “STEP” (Semaglutide Treatment Effect in people with obesity), sendo que a American Heart Association listou o programa STEP como um dos desenvolvimentos científicos mais importantes de 2021.
Antes de explorar os resultados desse medicamento ao longo dos estudos para tratamento da obesidade, é bom que fique claro que a via de ação não é por ser um “queimador de gordura”. Com a desinformação e o uso desenfreado por conta dos benefícios vistos, muitas pessoas e até profissionais acabam enxergando uma possibilidade de resultados rápidos, já que a pressão social estética, sobretudo nas redes sociais, é bem forte. O mecanismo de ação dos novos fármacos para emagrecimento não são a partir da queima de gordura diretamente, mas sim por vias que estão relacionadas ao apetite.
No caso de pessoas com obesidade, esse mecanismo se faz muito útil, visto que há uma alteração nessas vias de sinalização de saciedade demonstrada por estudos neurológicos.
O Ozempic é um análogo do GLP-1 humano com 94% de homologia de aminoácidos com o GLP-1 nativo e tem meia-vida de aproximadamente 1 semana, enquanto a meia vida desse hormônio de forma endógena possui apenas 1.5, 2 minutos, devido à sua rápida degradação pela enzima DPP-4 (dipeptidil peptidase-4)
Estudos clínicos em pessoas com obesidade demonstraram que a semaglutida afeta o peso corporal através de múltiplos mecanismos que, juntos, levam à diminuição da ingestão de energia e subsequente perda de peso.
O GLP-1 é uma incretina (hormônio metabólico) secretada pelas células L do intestino delgado, grosso e pelas células do sistema nervoso central, predominantemente no tronco cerebral.
O GLP-1 endógeno (produzido através da ingestão de alimentos) medeia muitos efeitos fisiológicos através dos receptores de GLP-1 encontrados em vários tecidos do corpo, incluindo o cérebro, o sistema cardiovascular, os rins, os pulmões e o sistema gastrointestinal (GI).
A ingestão de alimentos desencadeia a liberação de GLP-1 endógeno em minutos. Este hormônio tem vários efeitos no corpo, incluindo a inibição da secreção de glucagon e ao mesmo tempo o aumento da produção de insulina, ambos de maneira dependente da glicose, além de induzir sensação de plenitude (saciedade) através de efeitos centrais nas funções neurais.
Os critérios de elegibilidade para os ensaios STEP 1 a 5 incluíram adultos (≥18 anos de idade) com peso corporal estável (alteração de peso ≤5 kg nos 90 dias anteriores ao rastreio) e um histórico de pelo menos um esforço dietético mal sucedido auto-relatado para perder peso.
Além disso, para os ensaios STEP 1, 3, 4 e 5, os participantes deveriam ter um IMC ≥30 kg/m2, ou ≥27 kg/m2 combinado com pelo menos uma comorbidade relacionada ao peso que poderia ser dislipidemia, apneia obstrutiva do sono, hipertensão ou DCV. No estudo STEP 2, os participantes deveriam ter um IMC ≥27 kg/m2, um diagnóstico de DM2 pelo menos 180 dias antes do rastreio, níveis de hemoglobina glicada de 7% a 10% e ser controlado apenas com dieta e exercício ou tratado com até três medicamentos orais para redução da glicose durante pelo menos 90 dias antes do rastreio.
Um total de 4.988 participantes nos ensaios STEP 1 a 5 foram randomizados para receber semaglutida ou placebo. Para mitigar os efeitos secundários, os ensaios do programa STEP foram concebidos para aumentar lentamente a dose de semaglutida durante um período de 16 semanas. Portanto, a semaglutida subcutânea uma vez por semana foi iniciada na dose de 0,25 mg e aumentada a cada 4 semanas para os níveis posológicos subsequentes de 0,5 mg, 1,0 mg e 1,7 mg, até atingir a dose alvo de 2,4 mg.
O STEP 2 incluiu um braço de tratamento com semaglutida de 1,0 mg, onde os pacientes foram escalonados a cada 4 semanas, de 0,25 mg para 0,5 mg, e depois para a dose alvo de 1,0 mg. Nos STEPs 1, 2, 4 e 5, os participantes receberam tratamento como complemento à intervenção no estilo de vida (aconselhamento mensal sobre uma dieta de -500 kcal/dia em relação ao gasto energético estimado na semana 0 e recomendados 150 minutos/semana de atividade física).
Os ensaios STEP 1–3 de 68 semanas mostram que uma perda de peso significativa de 15% a 16% em participantes sem DM2 e 9,6% naqueles com DM2 pode ser alcançada com semaglutida subcutânea 2,4 mg uma vez por semana em adultos com sobrepeso ou obesidade.
No STEP 4, a mudança para placebo após um período de run-in de 20 semanas com semaglutida 2,4 mg resultou na recuperação do peso, enquanto a continuação do tratamento com semaglutida 2,4 mg resultou em perda de peso adicional substancial após 48 semanas.
As melhorias na perda de peso foram mantidas por um longo período de 104 semanas no STEP 5. É importante dizer que os resultados dos ensaios STEP 4 e 5 destacam a cronicidade da obesidade e a importância do tratamento à longo prazo para alcançar e manter uma perda de peso clinicamente significativa. Substancialmente mais pacientes alcançaram perdas de peso clinicamente significativas de ≥5% com semaglutida 2,4 mg nos ensaios STEP 1–5 do que com placebo.
Os eventos adversos (EAs) mais comuns entre pessoas tratadas com semaglutida 2,4 mg foram eventos gastrointestinais (mais comumente náusea, diarréia, vômito e constipação). A maioria dos EAs gastrointestinais nos STEPs 1 a 5 foram de gravidade leve a moderada e resolvidos sem a descontinuação permanente do tratamento. Esses EAs gastrointestinais foram transitórios, com durações medianas com semaglutida 2,4 mg durando até 8 dias para náusea, 5 dias para diarreia, 2 dias para vômito e 55 dias para constipação. A náusea foi tipicamente mais prevalente durante os períodos iniciais de aumento da dose, e a proporção de participantes com náusea diminuiu depois disso.
Conclusão
Os análogos de GLP-1, sobretudo a semaglutida, já estão estabelecidos como fármacos antiobesidade e são uma importante ferramenta no tratamento dessa epidemia. Como profissionais, nosso papel se dá a partir da importância de conhecer os mecanismos de atuação para que possamos elucidar para possíveis candidatos ao uso, tanto quanto a quem deseja usar sem a real necessidade, sendo apenas para “perder uns quilos”.
Além disso, temos um papel vital no combate à estigmatização do uso do medicamento, comumente sendo visto pela população geral como “o caminho mais fácil”, afastando pessoas que se beneficiariam do tratamento.
O estigma relacionado à obesidade dificulta o acesso ao tratamento adequado e não deve ser subestimado: estudos demonstram que pessoas com obesidade levam, em média, 6 anos desde o diagnóstico até conversar com o profissional de saúde sobre o tema. É um problema que afeta toda a sociedade e não apenas o indivíduo. “Comer menos, movimentar-se mais” implica que a perda de peso é apenas sobre dieta e exercício, ignorando a complexidade da obesidade. Embora o exercício físico seja fundamental para a saúde geral, não é o fator primordial no controle da obesidade e, nesse aspecto, as terapias farmacológicas se mostram como aliadas importantes do processo.
Texto: Marcos Vinícius – Supervisor da Pós-graduação Emagrecimento e Metabolismo