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Por Pietra Fogaça

Graduanda em nutrição pela UFRGS, antropometrista ISAK nível 1 e atleta de fisiculturismo.

Restrição dietética é um problema?

Postado em 30/03/2024 às 08h:35

Nesse texto irei utilizar como base os escritos de um excelente artigo científico chamado “Restrição dietética: qual o dano? Uma revisão sobre a relação entre restrição dietética, história/trajetória do peso corporal e o desenvolvimento de patologias alimentares”.

O artigo em questão tem como objetivo examinar a literatura científica acerca da restrição dietética (muito descrita como um fator de risco para desordens alimentares), entender toda a construção por trás e diferenciar restrição dietética de outras construções relacionadas (como uma dieta que visa perda de peso).

As patologias alimentares e a obesidade – que podem ocorrer simultaneamente em um indivíduo – são comumente descritas como uma “consequência” futura da restrição dietética. Além disso, muitas vezes, o termo “dieta” (medida normalmente por “escalas de restrição dietética”) é colocado como o componente integral do desenvolvimento de patologias alimentares. Todavia, é necessário entender que a restrição dietética, na verdade, é o esforço cognitivo que o indivíduo faz para comer menos do que queria (independentemente do resultado comportamental deste esforço).

Pensando nisso, por mais que seja inegável que a restrição dietética traga benefícios para vários marcadores de saúde (como melhora do perfil lipídico, por exemplo), é necessário entender quando ela pode ser saudável e benéfica e quando ela pode não ser.

A restrição dietética é normalmente mensurada através de medidas de autorrelato como a “escala de restrição” (ER), o “questionário de alimentação de três fatores” (QATF) e a “escala holandesa de comer contido” (EHCC). O problema é que essas escalas não são fidedignamente associadas com o valor energético autorrelatado consumido, com a trajetória do peso do indivíduo, e tampouco com o seu nível de “desinibição” alimentar. Estudos usando essas escalas demonstraram que essas não conseguem predizer o quanto de fato é consumido caloricamente (em diversas situações, em diversos indivíduos), o que evidencia ainda mais o abismo existente entre “se sentir restrito” e, de fato, consumir menos calorias de forma a perder ou manter o peso. São coisas diferentes.

Diferentemente do termo “restrição dietética” (lembre-se, esforço COGNITIVO), o termo “fazer dieta” é definido como adotar um plano alimentar com objetivo de perda de peso (podendo ser diversos tipos diferentes de dietas). Perceba que uma pessoa pode fazer uma limitação alimentar por meio do consumo inferior ao que deseja sem que, de fato, siga um plano alimentar específico. Ou seja, fazer dieta e fazer restrição dietética não significam a mesma coisa, e é importante que todo profissional da saúde saiba essa diferenciação.

Além disso, a restrição dietética não prediz o grau e nem a duração na qual um indivíduo irá seguir seu plano alimentar, justamente porque ela é o esforço cognitivo implementado nisso (e muitas vezes confundimos essas variáveis, já que há toda uma percepção subjetiva de esforço). Em suma, podemos nos esforçar para realizar essa restrição e realizar tentativas de restringir a alimentação, porém, ainda assim, isso não implica necessariamente em menor consumo, de fato.

Muitas pessoas afirmam realizar esse controle dietético por meio de esforço cognitivo muito grande em ambientes com muita disponibilidade de alimentos gostosos, porém, ainda assim, essa grande restrição dietética acaba não sendo suficiente para que de fato consumam menos. Ademais, pessoas caracterizadas como “comedores restritos” normalmente consomem o mesmo valor calórico que “comedores não restritos”, evidenciando ainda mais essa diferença prática.

Como disse, fazer uma restrição dietética não implica necessariamente em consumir menos, todavia, é FATO que muitas pessoas que desejam comer menos (perder peso) primariamente acabam aderindo à estratégia cognitiva que é a forma a alcançar seu déficit calórico. Isso é algo esperado.

Tendo em vista tudo isso, reforço a importância de cuidarmos com o estabelecimento de relações “causa e efeito”, pois muitos utilizam esse argumento de que, como quem quer perder peso inicialmente adota uma restrição dietética, logo, ela é a culpada pelo não sucesso na perda de peso e/ou desordens alimentares, o que não é verdade. Devemos investigar tudo que há por trás da motivação, lá do início, para adotar a restrição dietética, além de todas as construções que se fizeram durante esse processo.

Outro ponto muito importante é que devemos sempre distinguir entre os “graus de restrição dietética” que os indivíduos podem adotar, pois há pessoas que realizam restrições mais rígidas (com uma mentalidade mais extrema, de ‘tudo ou nada’) e pessoas mais flexíveis (limita quantidades de alguns alimentos, mas não exclui). Esses indivíduos são diferentes e, portanto, podem ter comportamentos alimentares diferentes e, consequentemente, experiências diferentes.

Na literatura, uma restrição dietética “bem-sucedida” é aquela em que há uma manutenção do peso de forma saudável, e uma “malsucedida” é comumente relacionada, por vários autores, com transtornos alimentares (TAs) e ganho de peso posteriormente. Além disso, modelos etiológicos (que visam entender a CAUSA) de TAs afirmam que a restrição dietética, junto com fatores de risco (como depressão), é o que precipita a compulsão alimentar, purgação e uma perda de peso não saudável, pois afirmam que a restrição energética aumenta o valor reforçador dos alimentos. Fora isso, muitos modelos de riscos para TAs demonstram uma relação entre os escores nas medidas de RD e comportamentos patológicos com a alimentação, em adolescentes e adultos jovens. Alguns estudos afirmam que o risco relativo para quem faz dieta desenvolver TAs é oito vezes maior do que quem não faz.

Um estudo longitudinal sobre dieta (mensurado apenas com a simples pergunta de “com que frequência você se envolveu em dietas no último ano?”) afirmou que pessoas que aderem a esses comportamentos ainda jovens acabam por ter maior risco para desordens alimentares.
Outro estudo, com meninas adolescentes com peso normal ou sobrepeso, através da mensuração de dieta por meio da pergunta “se envolveu em dietas nos últimos sete dias?” Relacionou dieta com desenvolvimento de TAs posteriormente.

Além disso, através do mecanismo de “alimentação contra regulatória”, se acredita que a restrição dietética precipita padrões alimentares patológicos. Observou-se que quando as pessoas consomem algo que está em desacordo com seu planejamento (ou então quando ingerem álcool ou enfrentam situação de estresse), isso acaba causando um “estado desinibido”, levando ao maior consumo. O modelo dual sugere que aumentar a restrição dietética aumenta a percepção de privação, o que pode aumentar a propensão a se envolver em comportamentos alimentares contra regulatórios.

Muitos indivíduos que não conseguem aderir à restrição dietética atribuem isso à falta de autorregulação, aumentando o controle e, posteriormente, experienciando uma alimentação contra regulatória de novo. Esses autores afirmam, então, que esse ciclo de aumento da restrição dietética por se sentir fracassado pode, futuramente, promover TAs. Afirmam que a restrição dietética pode relacionar-se com o risco de comportamentos compensatórios desordenados após episódios de alimentação contra regulatória.

Todavia, há evidências que não apoiam o mecanismo de “alimentação contra regulatória”, sugerem que essa experiência não pode generalizar entre alimentos ou condições, e nem todos os pacientes com TAs reportaram realizar dieta anteriormente! Além disso, estudos recentes incentivaram restrição dietética leves e viram diminuição de risco para obesidade e TAs, em mulheres eutróficas. Vale lembrar que muitos estudos divergem em seus resultados pois há muita discrepância entre intervenção com dietas hipocalóricas e autorrelato de estar fazendo dieta. Também há diferenças que ocorrem por causa das metodologias de cada estudo, até porque é sim diferente a adesão quando se há suporte profissional em um estudo controlado, por exemplo.

Outro ponto importante é a trajetória de peso (principalmente perda de peso) de um indivíduo, pois muitas alterações fisiológicas ocorrem junto a isso e que podem facilitar o reganho (como diminuição do gasto calórico), além de alterações hormonais (aumento de grelina e diminuição de leptina e sensibilidade à insulina). Ou seja, muitas coisas podem facilitar o reganho após perda de peso com a prática de restrição dietética, incluindo a alimentação contra regulatória.

Uma recente revisão afirmou que fazer dieta não é a resposta para solucionar excesso de peso, e que o ganho de peso é uma consequência da tentativa de reduzir o consumo calórico. Através de bons estudos, é sim possível afirmarmos que algumas pessoas conseguem sim emagrecer e se manter em um peso saudável, sugerindo que é possível superar os desafios biológicos e psicológicos que permeiam esse processo.

A privação percebida é um mecanismo que pode dificultar a perda de peso, já que é notório como algumas pessoas se sentem privadas em um processo de restrição dietética, principalmente quando estão em um ambiente obesogênico. Um estudo pegou pessoas que relataram ter comportamentos crônicos de dieta e dividiu elas em dois grupos, um que faria dieta como normalmente (1) e outro que comeria como se não estivesse de dieta (2).

O grupo 1 não perdeu peso, mas o grupo 2 ganhou peso, o que evidencia mais uma vez como pessoas que tiveram pontuação alta naquelas escadas de restrição dietética podem estar consumindo menos do que realmente queriam, porém ainda sim sem alcançar um déficit calórico. Além disso, outros estudos também analisaram as diferenças entre saciedade cognitiva e fisiológica, e viram que a privação percebida ocorreu quando a saciedade fisiológica era alta e a cognitiva era baixa.

Outro ponto importante que devemos ter em mente é que a restrição dietética nem sempre prediz ganho de peso, por mais que essas duas variáveis podem se correlacionar, as vezes pessoas com altos níveis de restrição dietética acabam não ganhando mais peso do que pessoas que não fazem restrição dietética. Todavia, caso esse indivíduo que realiza restrição dietética exacerba muito seu sentimento de privação percebida, aí sim poderá acabar consumindo a mais.

E é notório que pessoas que estão acima do peso tendem a se envolver mais em práticas de restrição dietética ao longo do tempo, a restrição dietética elevada pode ser inclusive uma resposta do indivíduo frente a um processo de manutenção do peso mal sucedido. Só que não pudemos usar esse argumento (que não é uma relação de causa e efeito, já que vários fatores levaram a essa maior sensação de privação percebida e não a RD em si) para afirmar que a restrição dietética nunca será benéfica, já que diversos estudos demonstram que é possível ocorrer uma perda de peso e manutenção saudável.

Em suma, a restrição dietética é uma forma de nos auto regularmos, visando reduzir o consumo, mas a eficácia dessa auto regulação varia e pode determinar risco para transtornos alimentares e ganho de peso.

A autorregulação possui 3 estágios: o automonitoramento, a autoavaliação e o auto reforço. Devemos cuidar muito bem como procedemos com esses estágios, pois, por exemplo, o automonitoramento da ingestão calórica pode ser deturpado, ou então a nossa autoavaliação pode estar muito baseada em ideais que não condizem com a nossa realidade. Esses erros podem nos levar a um auto reforço prejudicial, aumentando o risco para comportamentos extremistas e prejudiciais, colocando o indivíduo em maior risco para patologias alimentares.

Em contrapartida, uma manutenção de peso bem-sucedida envolve automonitoramento constante e ideais realistas de auto avaliação, sem acarretar riscos maiores para TAs. Além disso, falhas no automonitoramento podem levar a uma estimativa errada da restrição. Da mesma forma, a força das habilidades de autorregulação é postulada para flutuar com base no uso entre os domínios; portanto, se a auto restrição estiver sendo usada dentro de um domínio diferente (por exemplo, financeiro), os indivíduos são menos propensos a ter recursos apropriados para implementar com sucesso a restrição dietética.

Por último, as dificuldades de inércia psicológica podem incluir o engajamento em situações em que a falha de autorregulação é provável. Por exemplo, um indivíduo que apresenta dificuldades com a inércia psicológica pode achar que processos auto regulatórios necessários para interromper ou proibir comportamentos impulsivos (ou seja, comportamentos alimentares compulsivos) podem ser limitados, uma vez que o indivíduo pode não ter habilidades autorregulatórias adequadas para intervir na fonte da inércia (ou seja, vontade de comer alimentos específicos ou em um específico, maneira desinibida).

Em resumo, devemos entender que vários fatores (como genética, perda de peso e psicológico) podem predispor ao ganho de peso e à alimentação desordenada, mas a adoção à restrição dietética é, na verdade, uma REAÇÃO a essa predisposição, independentemente da autorregulação desse indivíduo. E é fato que indivíduos que ganham peso em resposta à alimentação desinibida provavelmente iniciarão uma restrição dietética para retardar/parar o ganho.

Ter sucesso na autorregulação e na restrição dietética é possível e pode trazer resultados benéficos. É comum indivíduos terem suas metas de dieta e peso, mas quando desviados por pistas ambientais, acabam consumindo alimentos mais hiper palatáveis.

Estudos mostram que descrições de alimentos podem ativar áreas hedônicas do cérebro daqueles que afirmam realizar restrição dietética, mas, naqueles que possuem maior sucesso na regulação, acabam ativando mais áreas que tenham relação com metas dietéticas! Essas pessoas conseguem se autorregular em ambientes ricos em pistas sugestivas de alimentação hedônica, mas, para essas pessoas, essas pistas acabam mudando de valor e passam a ser vistas como sinais de sucesso (por terem dito “não”).

Além disso tudo, a regularidade com que o indivíduo se auto monitora também prediz o sucesso na dieta. Um estudo viu que quem se pesava com maior frequência tinha menor IMC, e isso pode inclusive prevenir o reganho (facilitando a manutenção do peso). Logo, nem toda a restrição dietética resulta em uma alimentação patológica, restringir a ingestão pode ser muito benéfico para pessoas com excesso de peso (até se a perda não for tão elevada), não acarretando TAs.

Em eutróficos também podemos ter benefícios com a restrição dietética, como melhora do perfil lipídico e glicídico. Inclusive, uma revisão mostrou que, na verdade, uma RD elevada pode até reduzir os episódios de compulsão alimentar caso esteja presente durante o pré- tratamento, não acarretando riscos para mais episódios de compulsão.

Leia também: Tudo sobre a regulação do apetite

Além disso, trabalhos com restrição calórica moderada em eutróficos mostraram que não há associação entre restrição e compulsão alimentar, e outro estudo viu inclusive diminuição dos sintomas de bulimia com uma dieta baixa em calorias em mulheres eutróficas. Em adolescentes eutróficos que demonstravam preocupações com a imagem corporal, foi visto menor risco para ganho de peso, obesidade e sintomas de bulimia, através da adoção de uma dieta de manutenção de peso. Ou seja, uma restrição dietética moderada, quando aliada a estratégias boas para manutenção, pode diminuir o risco de obesidade e TAs. Todavia, vale ressaltar que, quando a preocupação com a imagem corporal se torna EXCESSIVA, o risco para deturpar a sua autoavaliação aumenta, e isso consequentemente aumenta o risco para o desenvolvimento de desordens alimentares.

Apesar de tudo isso, sabemos que, na realidade, a aderência à restrição dietética – a longo prazo – não é tão boa, muito por causa do ambiente obesogênico que vivemos. O que podemos fazer é ensinar boas táticas de autorregulação, modificar o ambiente e realizar o monitoramento constante da ingestão, de forma a reduzir o risco para desordens alimentares e ganho de peso.
O problema mesmo é quando o indivíduo realiza períodos inconsistentes de restrição dietética seguido de períodos de desinibição, isso sim pode predizer um risco para comer patológico. Ainda assim, é sim possível que uma restrição dietética tenha resultados muito benéficos a longo prazo, sendo algo sustentável para o indivíduo.

Concluindo, a restrição dietética não pode ser atribuída como “maléfica” ou “benéfica”, pois depende de muitos fatores, pode ser ótima para alguém com obesidade que precisa melhorar parâmetros bioquímicos, mas pode ser ruim para uma adolescente eutrófica que não tenha um acompanhamento profissional e esteja fazendo por conta. A forma como cada um classifica o “fazer dieta” também é muito importante, como é a autorregulação desse indivíduo etc.

Além disso, devemos ser críticos quanto aos estudos, já que algumas medidas de escalas de restrição dietética não são tão fidedignas e às vezes misturam com o termo “fazer dieta”, o que é errado, e isso prejudica a distinção de uma restrição dietética que pode ser prejudicial de uma que pode ser benéfica. Além de todos os outros problemas citados na interpretação, já que, muitas vezes, os estudos tratam como sendo “uma só”, sendo que até inclusive NÍVEIS de restrição dietética que indivíduos podem aplicar (mais flexíveis, mais rígidos etc.).

Texto por: Pietra Fogaça – Graduanda em nutrição

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