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Por Pietra Fogaça

Graduanda em nutrição pela UFRGS, antropometrista ISAK nível 1 e atleta de fisiculturismo.

O que acontece quando ingerimos um medicamento?

Postado em 13/04/2024 às 10h:00

A farmacocinética se concentra em avaliar os processos que ocorrem após a administração de um medicamento (fármaco), ou seja: a liberação do fármaco a partir do sítio de administração, a sua absorção pelo organismo a partir desse sítio, a sua chegada à circulação sistêmica e a sua passagem da circulação para os tecidos do organismo (que fazem o que chamamos de “distribuição” pelos tecidos).

A metabolização do fármaco tanto para ativação quanto inativação do medicamento (ou seja, nesse meio tempo, o fármaco pode sofrer algum tipo de modificação molecular, que é o que chamamos de ‘biotransformação’ ou ‘metabolização’) e, ainda, durante as voltas que o fármaco dá pelo organismo enquanto ele está dissolvido ali no plasma sanguíneo, ele pode sofrer processos para facilitar a sua excreção (ou seja, ocorre, por fim, a sua eliminação para o meio externo). Ou seja, ocorrerão etapas de biotransformação/metabolização com o intuito de ativar o fármaco ou inativar o fármaco, facilitando a sua excreção.

Para entendermos mais facilmente essas etapas farmacocinéticas, será utilizado como exemplo na explicação a via de administração oral, pois é a mais aceita pelos pacientes.
A primeira etapa nesse cenário é a absorção, que nada mais é do que o processo de transferência do fármaco do local da administração (exemplo: engolir o comprimido) para a circulação.
Para absorção oral do medicamento são requeridas duas etapas. Primeiro ele tem que sair do intestino e, lá no intestino, o fármaco chegará na região do lúmen intestinal, que é onde temos as chamadas vilosidades intestinais e, no epitélio, temos as microvilosidades.

Essas microvilosidades querem aumentar a superfície de contato, que visa aumentar a taxa de absorção através da equação de “lei de Fick”. Essa lei de Fick preconiza que a gente tenha três componentes na equação que aumentam a taxa de difusão do fármaco do meio luminal para o meio intracelular. Ele preconiza que a gente tenha que ter uma fina camada de membrana para facilitar a passagem (especialmente por difusão). Preconiza que deva existir um gradiente de difusão onde tenhamos uma concentração muito alta do fármaco no meio extracelular e uma concentração mínima/inexistente no meio intracelular. E também a área de superfície de contato deve ser grande. Ou seja, quanto maior for o gradiente, quanto maior for a superfície de contato, e menor for a camada que o fármaco tem que percorrer, maior será a sua taxa de difusão.

Alguns medicamentos serão absorvidos pelo processo de “difusão simples” ou “transporte passivo”. Quando falamos de medicamentos, precisamos levar em conta o TAMANHO da molécula, o PESO MOLECULAR e a HIDROFOBICIDADE, pois são conceitos que irão determinar se será necessário um transportador para facilitar a sua captura para o meio intracelular ou se ele simplesmente vai poder difundir livre entre os compartimentos.

Quando falamos de tamanho, falamos de “poucos átomos” que, quando pensamos em peso molecular, são moléculas que possuem peso molecular menor que 900 Daltons (1 Da = 1g/mol) ou 900g/mol.
A hidrofobicidade é a afinidade por água e, quanto mais hidrofóbico for um medicamento, maior será o seu grau de difusão simples. Um exemplo é um composto ionizável, com carga elétrica, que não será hidrofóbico, bem pelo contrário, será bem hidrofílico.

Um outro exemplo é um ácido graxo (uma gordura), que terá uma estrutura com cadeia bem grande de carbonos (tem uma cadeia muito longa), ele pode também sofrer ionização, ele é uma molécula pequena e ele provavelmente pesa menos que 900Da. Logo, esse ácido graxo será absorvido ou por difusão simples ou de forma associado com algumas proteínas (lipoproteínas), que depois serão dissociadas lá dentro e captadas pelo sistema linfático.

Mas perceba que não há necessidade de transporte ativo para os ácidos graxos, que é aquele transporte onde temos proteínas da membrana que são responsáveis pela captura do fármaco ou da molécula do meio extracelular para o meio intracelular.

Quando ocorre a captura sem que haja gasto de energia chamamos esse processo de “difusão facilitada”. Quando a proteína necessita gastar ATP para fazer esse transporte, chamamos de “transportadores celulares”, como as bombas AT Básicas. O “transporte paracelular” também é uma forma de processo passivo, mas ocorre principalmente quando o intestino se encontra em estado inflamatório, pois a inflamação gera um afrouxamento das junções de oclusão/tight junctions, permitindo a passagem de moléculas pequenas, de baixo peso molecular e que não precisam ser necessariamente hidrofóbicas. Ou seja, precisa atravessar a membrana do epitélio gastrointestinal, geralmente por via transcelular e paracelular, acessando a circulação sistêmica por meio de capilares.

Depois esse fármaco tem que sobreviver ao metabolismo hepático para cair na circulação sistêmica: a circulação portal (veia portal) é tudo aquilo que está sendo confluído/é uma junção de veias que vem do intestino e do baço, e que irá então passar por dentro do fígado. E, ali no fígado, ocorrerá um processo de filtragem, ou seja, ali veremos o que pode e o que não pode passar para a nossa circulação sistêmica! Logo, algumas moléculas conseguem sobreviver ao PRIMEIRO PASSO HEPÁTICO, que é o “metabolismo” e que levaria a sua excreção, evitando assim a passagem de agentes tóxicos (xenobióticos que poderiam colocar o organismo em risco).

Ou seja, antes de cair na circulação sistêmica e que poderia levar a uma injúria de algum órgão nobre (como coração, rins), ocorre a seleção e eliminação de moléculas tóxicas. E para poder evitar o primeiro passo hepático, podemos fazer modificações na estrutura da molécula. Um exemplo é a classe de esteróides “17-alfa-alquilados”, por exemplo, nada mais é do que uma modificação no carbono 17 do anel 4 do esqueleto esteroidal no qual, além da hidroxila (OH), teremos um grupo alquil (CH3). Isso faz com que o ataque à hidroxila seja impedido, o que levaria a eliminação da droga antes de cair na circulação. Há outras modificações que podemos fazer em medicamentos, sendo que elas, em geral, visam evitar o metabolismo de fase 1 e fase 2.

Mas nem toda a droga precisa ter algum tipo de proteção quando passa pelo metabolismo hepático, já que muitas substâncias o fígado não reconhece como sendo nocivas, então ele permitirá a passagem e teremos disponibilidade na circulação.

Quando estamos falando de administração por via extravascular, estamos pensando que há a etapa de liberação e absorção antes de cair na circulação sistêmica (que é quando ocorre a distribuição).
Se faço a administração de um medicamento por via oral (ou seja, engulo uma cápsula, por exemplo), o fármaco está sujeito ao trânsito intestinal, então se eu administro um medicamento com alta quantidade de comida, a própria formação do bolo fecal irá diminuir a quantidade de fármaco a ser absorvida.

Se eu faço uma administração intramuscular, parte do medicamento será degradado no próprio sítio de administração antes de atingir a circulação sistêmica. Quando faço uma administração por via intravascular (acesso venoso), eu “pulo” a etapa de liberação e absorção, então terei concentração plasmática alta rapidamente. Mas, quando faço uma administração extravascular, por exemplo, via oral, eu terei que esperar um tempinho até o fármaco ser absorvido, para ele então atingir um pico e depois ser eliminado.

Para comparar a biodisponibilidade do fármaco (F) através da administração intra e através da extra, terei que fazer a divisão da área sobre a curva (AUC) da via oral sobre a AUC da venosa. Existem medicamentos que terão maior biodisponibilidade e outros menores. E essa medida de biodisponibilidade é uma medida do quanto o fármaco sofre transformação hepática (biotransformação ou metabolização hepática). Mas nem sempre o fármaco que tem baixa disponibilidade por via oral (exemplo: 20%) será inútil, às vezes é mais fácil perder o fármaco e fornecer ele de forma mais constante, garantindo maior aderência, do que tentar fazer um acesso venoso. Logo, se o fármaco sobreviveu ao metabolismo hepático, ele foi para a circulação sistêmica.

Agora que esse fármaco sobreviveu ao metabolismo hepático e foi para a circulação sistêmica, é importante relembrarmos as características desse medicamento, como a sua POLARIDADE (se tal fármaco é mais ou menos hidrofílico ou hidrofóbico).
Geralmente fármacos de característica hidrofílica tendem a viajar isentos de ligação com proteínas plasmáticas (ou seja, viajam “soltos”, livremente pelo plasma sanguíneo), mas os hidrofóbicos normalmente viajam na circulação sistêmica associados às proteínas plasmáticas (como exemplo de proteínas plasmáticas temos os quilomícrons/Qm, VLDL, HDL, LDL, TBGs, SHBG e etc).

E é justamente isso que irá determinar também o quanto da droga que foi absorvida estará disponível para executar determinada função biológica. Tem drogas que irão se associar a proteínas plasmáticas de forma tão estável que não necessariamente elas estarão biodisponíveis, e isso é importante quando iremos fazer ajustes de doses de fármacos.

Um exemplo de fármaco é a testosterona, que é de natureza hidrofóbica. A chamada “fração total” é a aquela que corresponde tanto a fração que está ligada às proteínas plasmáticas (PP) quanto a fração que consegue ficar dissociada de proteína, então ela consegue viajar sem estar ligada a proteínas (“unbounded” ou “fração livre”). 

Essa fração livre é justamente a parte que não está ligada às PP, e ela corresponde a cerca de 1 a 2% dessa fração total, no máximo (e o restante é o que está provavelmente ligado à proteína plasmática SHBG). E a chamada “fração biodisponível” é aquela que está ligada a uma proteína de ligação efêmera, ou seja, à ALBUMINA. Só que, por ser uma ligação efêmera, em algum momento essa testosterona pode se dissociar da albumina e se tornar livre, na hora que for necessário, então ela está “biodisponível”.

No entanto, existe uma outra PP chamada SHBG e, ao captar a testosterona e se ligar a ela, a testosterona não consegue se desligar. Logo, a fração de testo que está ligada à SHBG está bioindisponível. Todavia, o fato de o fármaco estar bioindisponível não significa que ele é inútil, pois ele pode sim executar algum tipo de função no organismo.

Existem receptores de membrana celular que se ligam ao complexo SHBG-testosterona, o que acaba desencadeando algum tipo de efeito no organismo. Esse fármaco, então, já saiu do fígado, já foi para a circulação sistêmica, se ligou ou não à PP (essa porcentagem de ligação ou não às PP varia muito de droga para droga), e agora esse fármaco pode ser distribuído pelos tecidos.

A segunda etapa do processo é a distribuição do fármaco pelo organismo. O processo de distribuição é a passagem/transferência do fármaco do meio extra (“dentro do vaso”/dos líquidos de circulação, ou seja, do sangue e da linfa) para o meio intra (tecido/órgão no qual quer executar efeito), e esse processo é chamado de “partição”. Dessa forma, quanto maior for o grau de partição do fármaco, maior será o tanto dele que sai da circulação e vai para o tecido. Através de exames, nós conseguimos medir a quantidade do fármaco no plasma (meio extracelular), só que não consigo ver se tudo isso fará a partição, ou seja, não consigo ver o que está no tecido alvo (intra). Para isso, temos medidas indiretas, os chamados “parâmetros farmacocinéticos”.

Um desses parâmetros é o “volume de distribuição aparente”, que nos fornece uma medida indireta do quanto esse fármaco consegue penetrar nos tecidos. O processo de distribuição é um processo reversível e permite que o fármaco atinja o tecido-alvo para exercer sua ação. Esse processo de distribuição, conforme dito, vai depender de inúmeros fatores, como a ligação do fármaco às proteínas plasmáticas. O processo de distribuição irá ocorrer principalmente através da nossa rede de capilares sanguíneos, de forma que todo o fármaco que temos possa se aprofundar pelos tecidos, executar sua função e ser eliminado.

A terceira etapa é a de metabolização e, conforme visto, tanto antes de chegar na circulação quanto depois de executar a sua etapa farmacodinâmica, o fármaco tem que sofrer – ou não – processos de metabolização para poder facilitar a sua excreção. Existem alguns fármacos que não necessitam ser metabolizados, são excretados in natura, e aí terão “sítios de excreção”, como por exemplo a excreção renal através da urina, mas também existe a excreção biliar que tem o componente fecal, a excreção fecal, a excreção através do suor, a excreção através da expiração, através do leite materno etc.

A metabolização é um processo dividido em duas fases, a fase 1 e a fase 2. As reações de fase 1 envolvem reações mediadas por citocromos em processos que envolvem ganho ou perda de elétrons (reações catalisadas por enzimas microssômicas que envolvem reações de oxidação e redução) ou ainda processo de hidrólise (que seria a quebra de moléculas maiores em moléculas menores, mediado por exemplo pela água, gerando outras funções orgânicas).

Um exemplo de reação de fase 1 é a quebra da ponte de nitrogênios – no organismo – da molécula dupla de M-Drol, formando um grupamento de amina secundária em cada uma das duas moléculas geradas, e que podem ser oxidadas formando o esteroide Metil-Drostanolona (esteroide muito tóxico). Isso é um exemplo de reação de fase 1 que leva à ativação de uma droga em “pró-droga”.

Há um tempo em que um fármaco demora para ir do momento em que ele atinge a sua concentração máxima (chamado de “Cmax” ou “Tmax” ou “tempo para o pico plasmático”) até o momento em que ele é completamente eliminado. Dentro disso, há o tempo em que ele leva para cair pela metade (“C50”), que é a chamada “meia-vida” de um fármaco (ou “t/2”). Sendo que o “t0” é o momento de liberação do fármaco e, conforme ele é liberado, a sua concentração vai subindo, e essa etapa é chamada de absorção, até que tenhamos um equilíbrio entre tudo aquilo que está sendo absorvido e o que já está na circulação sistêmica (que é quando temos o pico/Cmax).
Nesse ponto em que temos o pico, é quando temos um equilíbrio dinâmico da etapa de distribuição do fármaco.

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Conforme o fármaco vai se distribuindo/vai tendo a partição da circulação sistêmica para os tecidos, ele também já vai sofrendo o processo de metabolização e, ao mesmo tempo, já tem parte dele sendo excretado. Ou seja, todos esses processos ocorrem de maneira simultânea, então não é porque o fármaco ainda está sendo absorvido que não está ocorrendo efeito farmacodinâmico.

Mas, lembre-se que tem que ter uma concentração mínima na circulação para que comece a ter o efeito farmacodinâmico. Além disso, existe para cada medicamento o que chamamos de “faixa/janela terapêutica”, que é uma concentração mínima que temos que ter para começar a ter o efeito biológico/farmacodinâmico, e uma concentração máxima para que a gente não tenha toxicidade.

A periodização que iremos fazer com a administração de determinado fármaco vai depender mais da janela terapêutica dele, o importante é a concentração média em que esse fármaco estará no plasma (em que concentração ele MAIS ficou).
Se o fármaco tiver uma janela bem restrita o cuidado deve ser maior, pois se administrar errado a concentração dele pode ficar muito tempo em dose de toxicidade (passou a faixa terapêutica) e depois muito tempo em dose ineficaz (abaixo da dose terapêutica). Vale lembrar que colateral estético não significa toxicidade.

Texto por: Pietra Fogaça – Graduanda em nutrição
Revisão: Talita Szidlovski

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